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corpos e máquinas

corpos e máquinas

Subjectividade e Tecnologia

Excertos do texto de Carlos Camargos Mendonça, Subjectividade e tecnologia: as novas máquinas produtoras de corpos
"Este artigo pretende refletir acerca da ampliação do entrelaçamento entre o humano e a máquina através das tele-tecnologias (...) que acabou por alcançar o próprio corpo, que é submetido a todo tipo de operações: modelizado por programas computacionais (no domínio do cinema e das experimentações artísticas), entregue ao jogo das aparências e da simulação das identidades nos chats e salas de conversação, conectado a próteses artificiais, vasculhado em seu interior - mas sem ser penetrado - pelas nanotecnologias ou pelos programas de realidade virtual, tornado lugar de implantes biotecnológicos, ou então movido e afetado à distância por meio dos dispositivos - técnicos e artísticos - que se servem da telepresença.(...)Toda estrutura do mundo, seja ela uma célula, um grande organismo vegetal ou animal funciona como uma máquina computante. Criamos autonomias e depedências para nos mantermos vivos. Somos ``seres- máquinas''. (...)"
O surgimento das redes telemáticas e da cultura digital, a criação do ciberespaço, (...) as próteses eletrônicas utilizadas na medicina ou mesmo as combinações da engenharia genética são elementos que modificam o nosso corpo. (...) As tecnologias não inauguram simplesmente um corpo imaginário, desejado, elas nos proporcionam um corpo até então não imaginado: o cibercorpo. (...)Paul Virilio dedica um capítulo de seu livro A Arte do Motor à discussão da relação entre os novos dispositivos tecnológicos e o corpo físico natural. Partindo do super-homem nietzscheano e chegando até o superexcitado Stelarc, Virilio analisa o que ele denomina ``intra-estrutura'', istó é, a inseminação do corpo físico humano pelas biotecnologias, possibilitada pelo desenvolvimento da nanotecnologia. (...) A título de ilustração sobre os perceptos e afetos mutantes, desencadeados pelas hibridações entre os corpos e as máquinas, podemos nos lembrar do filme Matrix. Nessa obra, a vida é uma ilusão produzida por dispositivos tecnológicos operados por um grupo de inteligências artificiais que se rebelou contra os humanos. (...) No ciberespaço foi criada uma reprodução do mundo físico natural (...). Aqueles que conseguiram se libertar - ou se desconectar, como dizem eles - usam a grande rede para fazer a passagem de seu mundo físico para o mundo possível (segundo a caracterização de Eco para a ficção científica) representado pelas redes.(...) Identificamos aí um tipo de Corpo sem Órgãos (CsO). Deleuze e Guattari definem o Corpo sem Órgãos - CsO, do seguinte modo:
Um CsO é feito de tal maneira que ele só pode ser ocupado, povoado por intensidades. Somente as intensidades passam e circulam. Mas o CsO não é uma cena, um lugar, nem mesmo um suporte onde aconteceria algo. Nada a ver com um fantasma, nada a interpretar. O CsO faz passar intensidades, ele as produz e as distribui num spatium ele mesmo intensivo, não extenso. Ele não é espaço e nem está no espaço, é matéria que ocupará o espaço em tal ou qual grau - grau que corresponde às intensidades produzidas. Ele é a matéria intensa e não formada, não estratificada, a matriz intensiva, a intensidade = 0, mas nada há de negativo neste zero, não existem intensidades negativas nem contrárias. (DELEUZE e GUATTARI.1996:13)
(...) Quando em um chat fóruns on line que funcionam em tempo real, o sujeito muda seus componentes identitários, ele produz um corpo ilusório, não somente para si mesmo, mas para estabelecer um contato com o outro. A própria atitude, seja ela produzida no ciberespaço ou sobre o corpo físico, não é o sintoma de uma subjetividade narcísica e solipsista, mas, paradoxalmente, signo de um narcisismo de grupo, nos termos de Maffesoli. Parafraseando o autor, como nos rituais de algumas sociedades da Idade Média, o sujeito está oferecendo sua carne em partilha, não para uma colonização, mas para uma exaltação coletiva do corpo, seja na sua hibridização com as máquinas, seja quando afetado à distância.""

somos todos ciborgs

A tese de Haraway é que somos todos ciborgs e que a cibercultura tem por mérito dissolver os dualismos que pautaram até o momento o modo de pensar ocidental, como a oposição entre espírito e matéria, porque transgride a fronteira que separava o natural do artificial, permitindo pensar em um tempo pós-sexuado.

O controlo do virtual

O controlo do virtual O texto que se segue é da autoria de José Bragança de Miranda, da Universidade Nova de Lisboa; (os sublinhados são meus):

"A cibernética de Wiener, os programas de Turing, a inteligência artificial (...)são tudo passos no caminho para a emergência do espaço de controlo. Parecendo confundir-se o virtual e o cyberspace (...)é essencial analisá-los separadamente.
Seria possível mostrar que a tecnologização do virtual foi preparada pela metafísica, e a teologia ocidental, esse bloco que Heidegger denominava por «onto-teologia ocidental». Neste processo desempenhou papel determinante o esquema aristotélico da dynamis/energeia, modelo «metafísico» em que assentou toda a tecnologização ocidental. Algo que começou por ser teológico e depois político, está a tornar-se hoje tecnológico (…)Este espaço de realização tinha a sua matriz na oposição entre possibilidade e existência, que se modulava numa série de outras oposições, como as de princípio e fim, de presença/ausência, de hard e de soft, de permanente e de efémero, etc. etc. A dualidade destas séries era absolutamente necessária, mas a verdadeira linguagem binária acabaria por ser a informática, que já era exigida pelo binarismo clássico e que a lógica clássica de certo modo antecipava. O virtual era o espaço do imaginário (...), onde se intuíam, ou se construíam as possibilidades.(…) Esse processo era ambivalente: por um lado, levava à separação entre ideal e material, entre presente e ausente (...) por outro lado, virtualmente estes elementos mantinham-se tensionalmente ligados. (…)Com as tecnologias da informação, a técnica determina a realização dentro de processos de controlo abrangentes. Daí que o virtual emirja explicitamente, confundindo-se agora não com o espaço «real», mas com o espaço de controlo. Hoje o virtual está em tensão com a potencialidade, e de duas uma: ou o virtual é uma intensificação do potencial que suportava a realização, ou é uma forma de o menorizar, aligeirando a experiência da grande maquinaria da dominação. A incompreensão deste processo leva a que, um pouco ilusoriamente, se tente prolongar as estratégias teológicas e políticas de colonização do mundo que acompanhou a instalação da modernidade.
(...)O cyberspace é um espaço de modulações, (...) de linearização absoluta, controlando as regras mais que as posições. Bom exemplo disso é o hypertext. (…) Para se transformar o espaço virtual em algo controlável este tem de ser linearizável(…). Depois é preciso um controlo desse controlo, e portanto uma linearização de segundo nível e por aí fora, numa circularidade que ocorre fora do tempo, a que paradoxalmente se chama «tempo-real». Como mostra William Burroughs é um tempo da morte infinitamente suspenso sobre o espaçamento do controlo. (…)Dada a radicalidade deste controlo do controlo que é o cyberspace parece irrisória a tentativa da Realpolitik que procura servir-se do controlo para sobreviver(…). É que o poder enquanto dominação usava o controlo como auxiliar, enquanto que agora o controlo usa o poder como simulacro para melhor se disseminar. (…)Enquanto cyberspace tudo se joga na actualização de certas possibilidades, provenientes do arquivo geral da experiência que é a cultura. Só que essa actualização é puramente simulacral, pois se tudo se pode actualizar é porque é indiferente aquilo que é actualizável. O virtual pode servir assim de espaço de suporte para a inscrição imediata do mundo e dos corpos no controlo. No fundo tudo depende de se conseguir distinguir a virtualidade da potencialidade. Será que se deve ao facto da existência, da efectividade?
(…) Que levava já McLuhan a dizer em 1969 que «A atracção pelas drogas alucinogéneas é um meio de alcançar a empatia com o nosso meio ambiente electrónico, ambiente esse que é em si uma viagem interior sem drogas» (…) O complicado aparato de luvas e de eléctrodos que hoje simulam a «realidade virtual» exige justamente formas de apagamento da realidade «real» do metal e das próteses para se poder atingir o estado alucinatório. A química acabará por o fazer, fazendo de todo o movimento, simples quimiotropismos. Ou enxertando-se directamente no cérebro, simples electrotropismos. O imaginário do zaping dissemina-se, tudo se resumindo a uma controlo remoto, mas não menos efectivo de uma «montage of attractions»" (Sergei Eisenstein)."